quinta-feira, 30 de abril de 2009

Tudo está escrito...

"O tempo, o tempo, o tempo e suas águas inflamáveis, esse rio largo que não cansa de correr, lento e sinuoso...". (Lavoura Arcaica)
Domingo assisti ao aclamado filme "Quem quer ser um milionário?". O fio codutor da narrativa é o aforismo "Tudo está escrito". Fiquei pensando sobre essa afirmativa e lembrei-me de um caso familiar...
O escritor Roberto Drumond sempre escrevia histórias sobre fatos cotidianos, familiares mesmo, usando como argumento a máxima do escritor russo Ivan Turgueniev "Se você tem uma família, não precisa inventar outra, é só escrever sobre ela".
Bom, vou seguir o mesmo caminho para mostrar meu exemplo de que "tudo está escrito". Meu personagem é um tio, o primogênito da minha família paterna. Ele, ainda muito jovem, saiu de Montes Claros e viveu suas andanças por 29 anos e hoje, já sexagenário, reside aqui há uns 15 anos . Mas assim já termino a história sem contar o mais interessante...."o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia" (João Guimarães Rosa).
Então, vamos pelas beiradas dos fatos onde sempre estão as melhores histórias: as não registradas, ditas nas cozinhas em clima mineiramente intimista.
Meu tio mais velho sempre foi um enigma para mim, figura brilhante tanto pelo corpo vasto em dimensões como pela sua ausência/presença que sempre marcou o clã familiar. Desse tio sabia pouco. Sabia que fazia muito tempo que havia partido depois de uma briga com meu avô. Sabia que tornara-se um caminhoneiro e que já havia cortado quase todo o Brasil e países fronteiros. Dele, tinha apenas a nebulosa imagem surgida de umas cartas rareadas e de uma foto na qual ele fazia pose junto a um caminhão.
Tinha também a longíqua lembrança dos carinhos que dele recebi numa remota visita que ele nos fizera.
Mas um dia esse tio retornou. Vibrei com a notícia e corri para casa de minha avó para revê-lo. Que decepção.... Com tanta distância, meu tio era um estranho, não tínhamos o que conversar, a timidez tomou conta do que deveria ser só afetos.
Meu tio acabou retornando de vez, tornou-se novamente um de nós ainda que continue um tanto estranho pela bagagem de aventuras que carrega na memória. Vira e mexe uma dessas lembranças aparece num diálogo corriqueiro e aí vem o susto por tanta coisa vivida.
Ontem, suas andanças vieram à tona novamente e meu irmão perguntou-lhe o real porquê de sua partida. Logo vi que era um momento meio divã, a revelação que sairia seria sempre pesada.
Não há como fugir....ouvi de novo a história de uma avô que era de uma bondade emocionante, mas que, sob os desígnios do álcool, tornava-se um ser ireconhecível. Meu tio afirmou que tinha uma ideologia que levava-o a crer que no dia que precisasse levantar a voz para o próprio pai deveria sair de casa e seguir seu caminho. Esse dia chegou: meu avô violentou meu pai, ainda menino, devido a bebida e meu tio, para não ver o irmão apanhando, saiu em defesa do pequeno e quando viu já estava trocando empurrões com pai na rua. Juntou gente, veio a vergonha e dali a decisão talvez já pensada: era preciso partir.
Ele foi primeiro para São Paulo. Perambulou por quase duas semanas até conseguir o primeiro trabalho. Para ser aceito pelo chefe, bebeu sua primeira dose de cachaça e seguiu seu destino, ou pelo menos o que seu próprio tino atestava como coisa certa. Trabalhou de uma obra à outra, percorrendo várias cidades e depois, já nas boleias de carretas e caminhões, conheceu todos os estados, todas as capitais e vários países. Já morou em recôncavos, já foi atingido pelas mais variadas espécies de febre na região amazônica, já teve mulheres de todos os tipos.
Ia de um lugar a outro pelo simples prazer de conhecer.
Participou de várias obras importantes da história moderna do país. Se estava no final de um contrato em Belém e ouvia falar na construção de uma hidrelétrica no sul, logo arrumava seus pertences e partia. Nesses 29 anos só visitou Montes Claros três vezes. As cartas também eram muito esporádicas e só soube da morte do pai através de um telefonema uns três anos depois do acontecido.
Além da sede de conhecer tudo, o que o distanciava daqui era a sede, inerente a todos que saem do lar, de voltar com a situação financeira bem resolvida.
O dinheiro que ganhava era numeroso, mas fluido. Como se assumiu como um andejo, não tinha endereço nem posses e o que ganhava ia embora com facilidade.
Mas um dia ele prometeu que viria .... num dia das mães.... foi o dia já mencionado que senti vergonha daquele tio do qual, descobri naquele momento, não conhecia nada.
O retorno ao lar não foi assim fácil, mas ele sabia que se não se acostumasse, se partisse de novo, não retornaria.
E entre uma conversa e outra ele sempre topava com uma irmã de seu cunhado, moça já beirando os quarenta, mas ainda solteira.
Entre uma dança e outra, um dia ela estava voltando para sua casa de mulher independente e ele fez a proposta: "Eu vou com você". Ela aceitou __ com o tempo, aprende-se a não perder a vida em formalismos. E meu tio ficou de vez. Hoje é homem da terrinha como nenhum outro: vive na roça, mas tem também sua casinha cá na cidade, seu carrinho, já se aposentou e agora, nos cuidades de administrar bens e família, acha muito engraçado ter um endereço para receber a correspondência bancária.
TUDO ESTÁ ESCRITO. E no enredo dele, já estava registrado que ele iria rodar o mundo e reencontrar um amor que crescera ali: bem ao lado da casa materna. Só precisava do tempo com suas esquisitices

sábado, 25 de abril de 2009

Estranhamentos

Minha lente é feminina, por isso às vezes ela pode ser sem foque ou exagerada.
As reticências da escrita são mil labirintos que deixo...portas abertas para um não sei o quê, não sei de onde, não sei de quem...
Mudanças bruscas de humor também podem ser percebidas de uma palavra à outra. Nuances de uma personalidade vasta em interrogações. No mais, sou um bicho estranho: "Só as mulheres sangram."
Também é comum um aperto aqui dentro....onde está meu manual de instrução? Não sei lidar nem com o lado o corpo, nem com o lado alma dessa máquina chamada vida.
Que confusão? A de sempre! A falta de rumo e de prumo. Vontade de ocupar todos os espaços ao mesmo tempo.
Transformo-me tanto para continuar sendo eu mesma. Quanto mais procuro partir, ir mais longe, mais marcas do início, da semente carrego.
Finjo não saber o que realmente quero, disfarço....pareço acreditar nas verdades que os outros me contam sobre meu próprio ser.
Finjo, atriz completa que não consigo ser, ao encenar uma personagem que é minha própria imagem.
Pareço que sou feita de ecos do passado. Mal vivo o presente já com ânsia de que ele ganhe morosa camada de poeira própria dos terrenos da memória. Como se a história, o registro, a lembrança fossem superiores ao próprio fato. Ou como se eu preferisse o reconto como forma de modificar os fatos.
O único consolo que tenho é saber que não sou a única estratificada. Tudo é incompleto e fragmentado. Até mesmo estes escritos que se almejam "confidências" são apenas parcelas mínimas de tudo que queria exteriorizar por meio das palavras....
Mas é bom me assumir como ser ambíguo, uma quase enigmática Capitu como toda mulher sabe ser. E por falar dessa persona tão famosa, deixo aqui a letra e vídeo da música " Capitu" de Luiz Tatit.

Capitu
Composição: Luiz Tatit

De um lado vem você com seu jeitinho
Hábil, hábil, hábil
E pronto!
Me conquista com seu dom

De outro esse seu site petulante
WWW
Ponto
Poderosa ponto com

É esse o seu modo de ser ambíguo
Sábio, sábio
E todo encanto
Canto, canto
Raposa e sereia da terra e do mar
Na tela e no ar

Você é virtualmente amada amante
Você real é ainda mais tocante
Não há quem não se encante

Um método de agir que é tão astuto
Com jeitinho alcança tudo, tudo, tudo
É só se entregar, é não resistir, é capitular

Capitu
A ressaca dos mares
A sereia do sul
Captando os olhares
Nosso totem tabu
A mulher em milhares
Capitu

No site o seu poder provoca o ócio, o ócio
Um passo para o vício, o vício
É só navegar, é só te seguir, e então naufragar

Capitu
Feminino com arte
A traição atraente
Um capítulo à parte
Quase vírus ardente
Imperando no site
Capitu


sexta-feira, 3 de abril de 2009

(Nada) vã filosofia de boteco

Os bares condensam ideias plausíveis. São incontáveis as parcerias, músicas, projetos viáveis(ou não) que surgiram sob a filosofia boêmia de botecos.
Minha família inteira repete uma frase, aparentemente sem nexo, ouvida há muito tempo por um primo meu. Ele estava passando por uma dessas cidadezinhas aqui do norte de Minas que não me recordo o nome e viu um bêbado acordar na porta de um bar e proferir de forma bem enfática : " Eh saudade de Alzira! "
Pronto! Na primeira cachacinha com os amigos, ele repetiu a frase e contou a história do bêbado. Alzira passou a ser reclamada e aclamada por toda a família. Quando alguém está cansado, ou com uma melancolia pungente, ou simplesmente triste: é saudade de Alzira! Esse nome passou a ser como a Pasárgada de Manuel Bandeira... se as coisas estão ruins: Grite por Alzira!
Se a escritora Lya Luft resolvesse colocar essa minha história familiar no seu livro de contos "O silêncio dos amantes", no qual aborda o fato do silêncio se tornar uma personagem concreta nos mais variados tipos de relacionamento, certamente discorreria também sobre a forma como o silêncio de informações acerca da história do bêbado e da tal Alzira ocasionou devaneios generalizados em toda uma família. Por não se saber de quem se trata, cada um colocou a imagem de Alzira em posição idílica. Ela se tornou a concretização dos sonhos mais eloquentes.
E por falar na vã filosofia de algumas expressões, o que dizer de alguns hits ridículos que somos obrigados a engolir de maneira exaustiva, mas não deixam de trazer uma certa carga reflexiva? Ou alguém vai negar que "cada um no seu quadrado" mostra uma sabedoria "ultramoderna" de aceitação de limites, respeito à individualidade e espaço alheios e tudo mais que é "politicamente correto"?
O ganhador do primeiro Big Brother brasileiro," Kleber Bambam", instaurou um chavão digno de muitos pensadores: "Faz parte". E o que não faz parte? Tudo não está correlacionado?
Não se pretende aqui fazer apologia a músicas e frases com qualidade, no mínimo, altamente discutíveis, mas vale registrar como aspectos dignos de profundas reflexões nascem assim de palavras tão descompromissadas...
Faz parte....