quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Mas a vida não é um livro...


"... No livro da vida não se volta , quando se quer, a página já lida, para melhor entendê-la; nem pode se fazer a pausa necessária à reflexão. Os acontecimentos nos tomam e nos arrebatam, às vezes, tão rapidamente que nem deixam volver um olhar ao caminho pecorrido."


Lucíola- José de Alencar

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Rápido comentário:

Para mim, a melhor definição do amor foi feita de forma condensada:

Amor
Humor

Poeminha pequeno de Oswald de Andrade que assim, na sua aparente singeleza, resume o ingrediente precioso para os quitudes amorosos. Há de existir o riso sempre... é a dança da alma, é o que desanuvia os olhos, é a engrenagem da vida! Rir junto com a pessoa amada é melhor que a duplinha mineira queijo com goiabada; é melhor que as noites de sexta-feira(promessa de um final de semana inteiro); melhor que feriado na segunda-feira.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Semáforo


As palavras mais densas surgem de onde não há... onde o silêncio impera e as lacunas criam frestas que sopram o vento das histórias ofuscadas. O anonimato, a falta de detalhes sobre um determinado fato, ou o simples restante não narrado de um caso instigam a alma e ela devaneia pairando sobre esses ocos inspiradores gerados pelo silêncio.
" Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores
que eu não sei o nome" (Adriana Calcanhoto_ Esquadros) e trafegando pelo vasto mundo de imagens, palavras e caos de minha cidade, deparei-me com uma declaração de amor exposta em um outdoor. Ah o amor!!! Exposto ali, no meio das mais comerciais e capitalistas das avenidas, lugar por onde todos passam para as mais atribuladas atividades e ele ali: o amor exposto assim como se fosse algo que não se percebesse, como se estivesse ali apenas para mandar um recado individual para a pessoa amada tal qual bilhete na geladeira, batom no espelho.
Apesar de exposto de forma hiperbólica em imensa placa, a declaração era realmente dirigida de forma hermética a apenas uma pessoa: não possuía o nome do destinatário, nem remetente. Não se sabe nem mesmo a opção sexual dos amantes. E o que importa? Importa é o quanto a mente trabalha ao ler aquelas letras garrafais. Interessante é o quanto se passea pelo interdito. Sabe-se apenas de um amor grande, de uma hipotética separação...tudo são cacos que se cola com a mais interessante das substâncias: a imaginação. Ao tentar entender o manancial sob aquele outdoor, entremeia-se o silêncio com cenas vividas, filmes, músicas, bilhetes...cada um pode inventar seu próprio amor e quando o semáforo se abre, todos aceleram com um sorriso breve, cada um imerso no seu próprio mundo amoroso...

terça-feira, 25 de agosto de 2009

FANTASIAS....

"O peixe que não foi pescado é sempre grande." (Provérbio chinês)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Fatalidades...

"Cada um sabe a dor
E a delícia
De ser o que é..."
( Dom de iludir - Caetano Veloso)

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O meu olhar é nítido como um girassol (Alberto Caeiro)

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Reticências

Ontem comentei, num grupo de pessoas, sobre uma crônica que saiu no jornal esta semana e falava sobre ciganos. Cada um começou a descrever a imagem que possui desse povo intrigante(para dizer o mínimo) e, nesse clima amistoso, um senhor já nos seus quase setenta anos, abriu um sorriso largo que nem mesmo seu bigode grisalho e espesso pode ofuscar. Passou a mão pelos cabelos ainda fartos e afirmou: " Um dia eu conheci uma cigana...".
Ele ainda repetiu a frase, mas não prosseguiu. Também não precisava! Imaginamos tudo...
Não vou tentar descrever essas imagens. Diante de um passado se apresentando assim num olhar que rejuvenesceu décadas num átimo, o próprio silêncio se traduz em quimeras, carícias e desejos.
Num momento assim, viramos exímios artistas pintando o quadro em que a tal cigana desfila sua fisionomia reticente.
Tornamo-nos músicos manuseando extintos instrumentos que ecoam uma canção que sinestesicamente cheira desejo.
Somos poetas em clássicas liras e repentistas no clarão nordestino.
Cada um, ao seu modo, dançou o ritmo da cigana, deixou que ela lesse os traços da mão e ensaiou um sorriso cúmplice de quem calado afirma de forma bem-humorada:" Senhor, sua lembrança é mais que mera recordação, são nossas próprias querenças sintetizadas numa idílica aventura cigana."

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Vírus do bem-querer

E se já não bastante tanta desumanização
Um vírus torna-nos ainda mais preconceituosos:
Evite aglomerados!!!
Evite contatos físicos!!! ( e lá se foram os raros abraços sobreviventes...)
Evite... ser gente!!!

Eu só queria um tantinho de ternura....
Poder receber o beijo que o amigo estala em minhas mãos
Vindo de remotas eras
A mão de minha mãe retirando um dos meus longos pelos dos cílios
Pendente ave decaída do meu olhar
O beijo i-no-cen-te-men-te úmido do meu afilhado
O aperto forte de mão daquele carinhoso moço de nome deslembrado
( irmão do tio da moça da padaria que é muito amiga da madrinha do meu primo)

Compartilhar com alguém um picolé de frutas
Tesouro encontrado no fundo da arca da amizade
Queria era o vírus do amor
Do querer bem
Vírus que fizesse até o mais árido coração
Despetalar margaridas
Petálas que ecoassem eternamente o "bem-me-quer".

terça-feira, 21 de julho de 2009

Peninhas rosas pela casa...



É assim que sempre acontece quando troco de quarto, ou mudo o guarda-roupa de lugar, ou simplesmente arrumo meu mundo de quinquilharias. Isso porque já me vesti de anjo quando criança e, de forma devota, no mês de maio me colocava sobre o altar de Nossa senhora, no meio de uma chuva de pétalas, a coroá-la sob vozes infantis tão estridentes quanto a minha.

Até hoje guardo as vestimentas de tal ritual: asas; cestinha para guardar as flores que pedia sorridente aos vizinhos; coroa digna de princesa, apesar do tempo insistir em amassá-la e o vestido longo de cetim feito por minha avó.

Num saco plástico, no fundo do maleiro, se escondem essas peças impregnadas de lembrança. No máximo empresto-as para uma ou outra criança, mas elas sempre voltam para mim. Basta avistá-las para recordar todas as cantigas à Maria que ainda guardo de cor, mais no coração do que na mente.

Assim, sempre que minhas peninhas de anjo perpassam pela casa, a criança que fui me espia com olhos diáfanos e surpresos.....

É estranho, pois não sou mais portadora daquela religiosidade pueril da menina, mas ao mesmo tempo sou a mesma.

O tempo passou rápido e no baú da vida cabe o "tudo" que se faz história (re)vivida nas simples peninhas rosas que pairam por aí........

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Quando a alma quer tirar férias

“O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.” (João Guimarães Rosa)


" (...) nós somos medo e desejo somos feitos de silêncio e som tem certas coisas que eu não sei dizer (...) (Milton Nascimento)


O dia: estrondo
Silêncio!
A alma roga clemência
para tentar se conhecer
E no abalo da descoberta...
((((((((((((((((((silenciosamente))))))))))))))))))
roga
por um mísero som
que lhe tire
daquela tempestade de ensimesmamento

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Para uma semana enrolada: Quintana!!!

O Deixador (Mário Quintana)

Eu tenho mania de deixar tudo para depois...
Depois a contagem das cartas a responder...
Depois a arrumação das coisas...
Depois, Adalgisa... Ah,
Me lembrar mais uma vez de romper definitivamente com Adalgisa!
Depois, tanta, tanta coisa...
Depois o testamento as últimas vontades a morte.
Só porque vai sempre deixando tudo para depois
É que Deus é eterno
E o mundo incompleto
Inquieto...
Só é verdadeiramente vida a que tem um inquieto depois!
(Baú de Espantos)

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Tudo está escrito...

"O tempo, o tempo, o tempo e suas águas inflamáveis, esse rio largo que não cansa de correr, lento e sinuoso...". (Lavoura Arcaica)
Domingo assisti ao aclamado filme "Quem quer ser um milionário?". O fio codutor da narrativa é o aforismo "Tudo está escrito". Fiquei pensando sobre essa afirmativa e lembrei-me de um caso familiar...
O escritor Roberto Drumond sempre escrevia histórias sobre fatos cotidianos, familiares mesmo, usando como argumento a máxima do escritor russo Ivan Turgueniev "Se você tem uma família, não precisa inventar outra, é só escrever sobre ela".
Bom, vou seguir o mesmo caminho para mostrar meu exemplo de que "tudo está escrito". Meu personagem é um tio, o primogênito da minha família paterna. Ele, ainda muito jovem, saiu de Montes Claros e viveu suas andanças por 29 anos e hoje, já sexagenário, reside aqui há uns 15 anos . Mas assim já termino a história sem contar o mais interessante...."o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia" (João Guimarães Rosa).
Então, vamos pelas beiradas dos fatos onde sempre estão as melhores histórias: as não registradas, ditas nas cozinhas em clima mineiramente intimista.
Meu tio mais velho sempre foi um enigma para mim, figura brilhante tanto pelo corpo vasto em dimensões como pela sua ausência/presença que sempre marcou o clã familiar. Desse tio sabia pouco. Sabia que fazia muito tempo que havia partido depois de uma briga com meu avô. Sabia que tornara-se um caminhoneiro e que já havia cortado quase todo o Brasil e países fronteiros. Dele, tinha apenas a nebulosa imagem surgida de umas cartas rareadas e de uma foto na qual ele fazia pose junto a um caminhão.
Tinha também a longíqua lembrança dos carinhos que dele recebi numa remota visita que ele nos fizera.
Mas um dia esse tio retornou. Vibrei com a notícia e corri para casa de minha avó para revê-lo. Que decepção.... Com tanta distância, meu tio era um estranho, não tínhamos o que conversar, a timidez tomou conta do que deveria ser só afetos.
Meu tio acabou retornando de vez, tornou-se novamente um de nós ainda que continue um tanto estranho pela bagagem de aventuras que carrega na memória. Vira e mexe uma dessas lembranças aparece num diálogo corriqueiro e aí vem o susto por tanta coisa vivida.
Ontem, suas andanças vieram à tona novamente e meu irmão perguntou-lhe o real porquê de sua partida. Logo vi que era um momento meio divã, a revelação que sairia seria sempre pesada.
Não há como fugir....ouvi de novo a história de uma avô que era de uma bondade emocionante, mas que, sob os desígnios do álcool, tornava-se um ser ireconhecível. Meu tio afirmou que tinha uma ideologia que levava-o a crer que no dia que precisasse levantar a voz para o próprio pai deveria sair de casa e seguir seu caminho. Esse dia chegou: meu avô violentou meu pai, ainda menino, devido a bebida e meu tio, para não ver o irmão apanhando, saiu em defesa do pequeno e quando viu já estava trocando empurrões com pai na rua. Juntou gente, veio a vergonha e dali a decisão talvez já pensada: era preciso partir.
Ele foi primeiro para São Paulo. Perambulou por quase duas semanas até conseguir o primeiro trabalho. Para ser aceito pelo chefe, bebeu sua primeira dose de cachaça e seguiu seu destino, ou pelo menos o que seu próprio tino atestava como coisa certa. Trabalhou de uma obra à outra, percorrendo várias cidades e depois, já nas boleias de carretas e caminhões, conheceu todos os estados, todas as capitais e vários países. Já morou em recôncavos, já foi atingido pelas mais variadas espécies de febre na região amazônica, já teve mulheres de todos os tipos.
Ia de um lugar a outro pelo simples prazer de conhecer.
Participou de várias obras importantes da história moderna do país. Se estava no final de um contrato em Belém e ouvia falar na construção de uma hidrelétrica no sul, logo arrumava seus pertences e partia. Nesses 29 anos só visitou Montes Claros três vezes. As cartas também eram muito esporádicas e só soube da morte do pai através de um telefonema uns três anos depois do acontecido.
Além da sede de conhecer tudo, o que o distanciava daqui era a sede, inerente a todos que saem do lar, de voltar com a situação financeira bem resolvida.
O dinheiro que ganhava era numeroso, mas fluido. Como se assumiu como um andejo, não tinha endereço nem posses e o que ganhava ia embora com facilidade.
Mas um dia ele prometeu que viria .... num dia das mães.... foi o dia já mencionado que senti vergonha daquele tio do qual, descobri naquele momento, não conhecia nada.
O retorno ao lar não foi assim fácil, mas ele sabia que se não se acostumasse, se partisse de novo, não retornaria.
E entre uma conversa e outra ele sempre topava com uma irmã de seu cunhado, moça já beirando os quarenta, mas ainda solteira.
Entre uma dança e outra, um dia ela estava voltando para sua casa de mulher independente e ele fez a proposta: "Eu vou com você". Ela aceitou __ com o tempo, aprende-se a não perder a vida em formalismos. E meu tio ficou de vez. Hoje é homem da terrinha como nenhum outro: vive na roça, mas tem também sua casinha cá na cidade, seu carrinho, já se aposentou e agora, nos cuidades de administrar bens e família, acha muito engraçado ter um endereço para receber a correspondência bancária.
TUDO ESTÁ ESCRITO. E no enredo dele, já estava registrado que ele iria rodar o mundo e reencontrar um amor que crescera ali: bem ao lado da casa materna. Só precisava do tempo com suas esquisitices

sábado, 25 de abril de 2009

Estranhamentos

Minha lente é feminina, por isso às vezes ela pode ser sem foque ou exagerada.
As reticências da escrita são mil labirintos que deixo...portas abertas para um não sei o quê, não sei de onde, não sei de quem...
Mudanças bruscas de humor também podem ser percebidas de uma palavra à outra. Nuances de uma personalidade vasta em interrogações. No mais, sou um bicho estranho: "Só as mulheres sangram."
Também é comum um aperto aqui dentro....onde está meu manual de instrução? Não sei lidar nem com o lado o corpo, nem com o lado alma dessa máquina chamada vida.
Que confusão? A de sempre! A falta de rumo e de prumo. Vontade de ocupar todos os espaços ao mesmo tempo.
Transformo-me tanto para continuar sendo eu mesma. Quanto mais procuro partir, ir mais longe, mais marcas do início, da semente carrego.
Finjo não saber o que realmente quero, disfarço....pareço acreditar nas verdades que os outros me contam sobre meu próprio ser.
Finjo, atriz completa que não consigo ser, ao encenar uma personagem que é minha própria imagem.
Pareço que sou feita de ecos do passado. Mal vivo o presente já com ânsia de que ele ganhe morosa camada de poeira própria dos terrenos da memória. Como se a história, o registro, a lembrança fossem superiores ao próprio fato. Ou como se eu preferisse o reconto como forma de modificar os fatos.
O único consolo que tenho é saber que não sou a única estratificada. Tudo é incompleto e fragmentado. Até mesmo estes escritos que se almejam "confidências" são apenas parcelas mínimas de tudo que queria exteriorizar por meio das palavras....
Mas é bom me assumir como ser ambíguo, uma quase enigmática Capitu como toda mulher sabe ser. E por falar dessa persona tão famosa, deixo aqui a letra e vídeo da música " Capitu" de Luiz Tatit.

Capitu
Composição: Luiz Tatit

De um lado vem você com seu jeitinho
Hábil, hábil, hábil
E pronto!
Me conquista com seu dom

De outro esse seu site petulante
WWW
Ponto
Poderosa ponto com

É esse o seu modo de ser ambíguo
Sábio, sábio
E todo encanto
Canto, canto
Raposa e sereia da terra e do mar
Na tela e no ar

Você é virtualmente amada amante
Você real é ainda mais tocante
Não há quem não se encante

Um método de agir que é tão astuto
Com jeitinho alcança tudo, tudo, tudo
É só se entregar, é não resistir, é capitular

Capitu
A ressaca dos mares
A sereia do sul
Captando os olhares
Nosso totem tabu
A mulher em milhares
Capitu

No site o seu poder provoca o ócio, o ócio
Um passo para o vício, o vício
É só navegar, é só te seguir, e então naufragar

Capitu
Feminino com arte
A traição atraente
Um capítulo à parte
Quase vírus ardente
Imperando no site
Capitu


sexta-feira, 3 de abril de 2009

(Nada) vã filosofia de boteco

Os bares condensam ideias plausíveis. São incontáveis as parcerias, músicas, projetos viáveis(ou não) que surgiram sob a filosofia boêmia de botecos.
Minha família inteira repete uma frase, aparentemente sem nexo, ouvida há muito tempo por um primo meu. Ele estava passando por uma dessas cidadezinhas aqui do norte de Minas que não me recordo o nome e viu um bêbado acordar na porta de um bar e proferir de forma bem enfática : " Eh saudade de Alzira! "
Pronto! Na primeira cachacinha com os amigos, ele repetiu a frase e contou a história do bêbado. Alzira passou a ser reclamada e aclamada por toda a família. Quando alguém está cansado, ou com uma melancolia pungente, ou simplesmente triste: é saudade de Alzira! Esse nome passou a ser como a Pasárgada de Manuel Bandeira... se as coisas estão ruins: Grite por Alzira!
Se a escritora Lya Luft resolvesse colocar essa minha história familiar no seu livro de contos "O silêncio dos amantes", no qual aborda o fato do silêncio se tornar uma personagem concreta nos mais variados tipos de relacionamento, certamente discorreria também sobre a forma como o silêncio de informações acerca da história do bêbado e da tal Alzira ocasionou devaneios generalizados em toda uma família. Por não se saber de quem se trata, cada um colocou a imagem de Alzira em posição idílica. Ela se tornou a concretização dos sonhos mais eloquentes.
E por falar na vã filosofia de algumas expressões, o que dizer de alguns hits ridículos que somos obrigados a engolir de maneira exaustiva, mas não deixam de trazer uma certa carga reflexiva? Ou alguém vai negar que "cada um no seu quadrado" mostra uma sabedoria "ultramoderna" de aceitação de limites, respeito à individualidade e espaço alheios e tudo mais que é "politicamente correto"?
O ganhador do primeiro Big Brother brasileiro," Kleber Bambam", instaurou um chavão digno de muitos pensadores: "Faz parte". E o que não faz parte? Tudo não está correlacionado?
Não se pretende aqui fazer apologia a músicas e frases com qualidade, no mínimo, altamente discutíveis, mas vale registrar como aspectos dignos de profundas reflexões nascem assim de palavras tão descompromissadas...
Faz parte....

sábado, 28 de março de 2009

domingo, 8 de março de 2009

Mulheres...

“ Que intimidade ancestral
Têm as mulheres
Não apenas com legumes
Lençóis talheres
E comprimidos.
Que baús trazem no útero
Que universos perdidos
Que pérolas
Nos olhos
Que pencas de suspiros
Como se os mínimos objetos
Fossem também seus filhos.”
Afonso Romano de Sant'anna

sexta-feira, 6 de março de 2009

Máscaras no curso, no discurso, na vida...


O tempo das imagens: caleidoscópio de máscaras....voyeurismo total! O universo cibernético desnudou até mesmo aquela prima mais casta. Tudo virou público, futricado, estereotipado. Mas mesmo com tantos blogs, sites, vídeos, podcast etc, nenhuma tecnologia é capaz de alcançar a fotografia real de um ser. A essência nunca é escancarada. Doamos sempre a platônica réplica das réplicas. Toda confissão é mero simulacro do real. Assim como "... a melhor definição do amor não vale um beijo de moça namorada..."( Machado de Assis), nenhum olhar, gesto, ou sorriso esboça uma só gota do peso de uma alma.

Quanto mais buscamos a total exteriorização do cru, mais temos a chance de pisar no terreno da ficção e aí.... viramos seres "virtuais": inventamos histórias, enfatizamos fatos corriqueiros, amenizamos dores nada fantásticas, ornamentamos sentimentos banais.

Num carnaval ao avesso, não nos dirigimos aos outros indagando, como na canção de Chico " Quem é você, diga logo que eu quero saber o seu jogo". Ao invés de tirarmos as máscaras descobrindo as faces verídicas, fabricamos outras tantas e trocamo-las num ritual de desencontros que remete a outro verso da referida música ... " Mas é carnaval, não me diga mais quem é você... O que você pedir eu lhe dou...Seja você quem for, seja o que Deus quiser ." Criamos uma vida ficcional que se entrelaça com o próprio cotidiano. Onde termina o real e começa o mero devaneio? No fundo tudo é um grande saco de serpentinas e lantejoulas. Meramente sugestão.... e ficamos sempre embriagados com o brilho artificial do fingimento, tal qual o brilho das estrelas -lâmpadas há muito tempo apagadas...

segunda-feira, 2 de março de 2009

O Curioso Caso de Benjamin Button

Difícil distinguir qual cena seria a mais densa do filme. Mas o tic-tac do relógio interno da personagem Daisy, escancarado no seu olhar que sucumbe à dor de enxergar um Benjamim cada vez mais menino, enquanto ela sente o rastro do tempo em cada nova ruga, não me deixou parar de relembrar os versos de Cecília Meireles...
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Ternura nos risos...

O poema abaixo está no blog: http://www.cambalhotas.org/blog/
Risadas que se multiplicam ao ler o trabalho de Vitor Freire e Alison Villa.


Olhem um trechinho da explicação deles sobre o "Cambalhotas":

O Cambalhotas é onde depositamos o nosso desejo de uma vida menos ordinária. Está na contra-mão de todas as coisas sérias, sisudas, convencionais, chatas, sem graça, com adoçante, sem pimenta. Aqui, toda a nossa grandiosa luta e resistência para deixar o chão arejado para nossas palavras dançarem, nessa coreografia espontânea, no ritmo lúdico da vida.

Agora sim... lá vai o poema de Alisson Villa:

Má influência

Quando dei pinga ao telefone, ele embolou a fala dos amantes até terminarem o namoro.
Quando dei pinga à xícara, ela tentou voar com sua única asa e terminou em caquinhos.
Quando dei pinga ao sol, ele adormeceu sobre uma nuvem atrapalhando a passagem da noite.
Quando dei pinga ao dado, ele cambaleou incerto sobre que número oferecer.
Quando dei pinga ao jornalista, ele escreveu um poema sobre a alta dos juros.
Quando dei pinga ao texto, suas letras ficaram em itálico.
Quando dei pinga à bailarina clássica, todos assistiram uma apresentação contemporânea.
Quando dei pinga ao maestro, a orquestra afrouxou o smoking e tocou um samba.
Quando dei pinga ao camaleão, ele trajou um arco-íris.
Quando dei pinga ao pente, ele sorriu seus dentes.
Quando dei pinga à estrada, ela insinuou-se para todos.
Quando dei pinga à pilha, em meia hora ela gastou sua energia.
Quando dei pinga ao cabide, ele despiu-se da blusa para realçar o balançar de seus ombros.
Quando dei pinga ao guarda-chuva, ele perdeu até os pingos mais gordos.
Quando dei pinga ao criado mudo, ele desinibiu-se puxando muita conversa.
Quando dei pinga ao mineiro, a cachaça sentiu-se uma verdadeira água mineral.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Quero mil ternurinhas.....

Farejo delicadezas advindas de trincas, brechas, periferias, superfícies e profundezas. Todos os sentidos atiçados na procura de ternuras diversas.
Quero mil ternurinhas: As óbvias como beijo em dia de chuva, colo de mãe quando estamos doentes, perguntas infantis, gargalhar com amigos, viajar numa canção, filme, imagem, palavra. Café quente em dia frio na casa da avó, descobrir um lugar legal para ir....
Quero também as ternurinhas omitidas: Do cacto que às vezes se abre em flor, do amarelo de cheiro impregnante que se desponta na sequidão do cerrado em ipês, pequi, coco macaúba....
A ternura que se derrama num telefonema para dizer "oi", no presente que se recebe sem esperar em dias estranhamente tristes.
Quero a ternura que emana das agendas antigas ao constatar, com sangue ritmado pela nostalgia, que muitas metas enumeradas já foram percorridas...
A ternura que levanta-se quando cai de um livro, cd, ou caixa antiga: pétala de rosa vermelha(prenúncio de uma paixão já finda), papel de bombom, ideias anotadas à esmo num guardanapo de retaurante, num ingresso de cinema, num fragmento tão banal, tão corriqueiro, que até se assusta, desnudado, quando percebe que não é mais lixo cotidiano e tornou-se "super star" no terreno da memória, no lembrar/deslembrar.
Quero a ternura da história de amor dos tios, dos pais, do vizinho, da mulher que chora no ônibus. A ternura do corpo nu e o enigma do corpo encoberto. A ternura de um casal de velhinos...
Quero até mesmo a ternura dos dias de melancolia, quando o peito se enche de tristeza. São nesses dias que lembramos das melodias e versos mais dolorosos e _ por que não? _ mais belos; e compomos as metáforas mais dignas...

Ê Minas, Ê Minas......

O nosso saudoso Betinho estava mais do que certo:
Se um dia o Brasil acabar, Minas continua. Tem horizonte para tal, tem substância para durar, tem ainda muitos casos para contar, distâncias a percorrer, pecados a expiar, contas a fazer, saudades a matar... (SOUZA, Herbert José. ISTO É MINAS - 30/09/1992)


A imensidão do mar inspira outro mar de lirismo derramado em versos, melodias, romances inteiros. O mar com todas as suas lendas e frutos que se mostram desde a culinária, até no vento emaranhando os cabelos.
Mar é corpo dourado, é a certeza de nossa insignificância (grãozinho de areia) diante da complexidade (um mar infindo) que é a vida. Mar é o alumbramento do azul que invade olhos e alma desanuviando qualquer cor ocre que ousou pousar sobre o nosso ser.
Mas “mar” para mineiro é algo além, é aquilo que está por trás das montanhas geográficas e internas, é o que se esvai além de nossas cercanias.
Mineiro que é mineiro é sempre órfão do mar e por isso trabalha arduamente juntando os “tostões”__ como todo mineiro sabe fazer__ para visitar de vez em quando o lugar da saudade, do lúdico....três letras que valem um sorriso.
Mar, para nós mineiros, é o outro, é o diferente, é tudo que não somos. É a promessa de férias eternas, como se isso fosse possível.
O cancioneiro mineiro traz mais elementos marítimos do que o das próprias cidades litorâneas.
É deveras interessante observar Minas Gerais despontando onde ela não há... Mineiro viaja, às vezes, mais de 3.000 quilômetros para ir ao encontro de montes, não de minérios como há tantos em Minas, mas de areias brancas; e de repente, movidos pela saudade, ou pelas mineiridades que já moram na gente, começamos a buscar Minas Gerais no gosto de pão-de-queijo (raridade caríssima na culinária beira-mar), nos licores das feiras, no queijinho assado na brasa ou num show em que se ecoa uma voz já mineiramente conhecida.
Sentimento dúbio é o que se tem mineiro olhando o mar: Vontade de ficar, se esbaldar em histórias como as de certa Tereza, que ao vender seus bolinhos de macaxeira num paraíso no Rio Grande do Norte, fala de suas heranças centradas nas rendas deixadas pela mãe e da naturalidade com que cresceu convivendo com golfinhos. Mas ficar como? Se, tal qual ostra, gostamos mesmo é de nos omitir do mundo em montes que encerram tudo que nos representa: Inclusive nossa eterna saudade do mar....
Fiz o texto acima ainda no sacolejo do ônibus, do mar, do vento, da saudade de Minas Gerais na mágica viagem que fiz pelo nordeste brasileiro nas últimas férias.

Ser adverso

Dedico o texto abaixo às amigas: Cínthia, Lú, Camila, Clara, Carla,Fia, Débora, entre outras tantas que são antagonicamente lindas mulheres/meninas.

No espelho da existência nunca sei a real imagem que as águas das vida, que às vezes parecem vir de outros tantos tempos, revelam quem sou.
Há dias, que acordo provinciana, com mesuras de moça casta, acostumada a ouvir serenatas do amado e a aprender a fazer muitas receitinhas de bolos e biscoitinhos, além dos bordados do enxoval.
Nesses dias, meus cabelos negros requerem grossas tranças e pareço me chamar qualquer nome que revele Maria, ou Ana. Necessariamente, nesses momentos sinto cheiro de flores e quitutes e o mês é sempre um Maio inteiro em que tudo em mim parece se preparar para um casamento.
Quando acordo assim, menina brejeira, doce e leve, sinto-me simples como o branco e a renda de que são feitos meus vestidos imaginários.
Em tal imagem, a cantiga que ouço fala de dama-escolhida, amor-primeiro, prenda minha, e outros tantos signos que evidenciam a pureza de um amor que se consubstancia como coisa óbvia e derradeira.
Entretanto, há também as manhãs quando ao me mirar, os olhos já não são translúcidos e doces. Eles se assumem de forma tão diversa que noto um ser multifacetado , com ares de esfinge, que impossibilitam definições simplistas.
Nesses dias, o amor não é tão óbvio nem perene. Sou mosaico de sentimentos e sonhos. Qualquer mínimo ato lisonjeiro é encarado como atitude sexista: Não sirvo, nem quero ser servida, pronuncio, até com certa afronta, palavras casadas semanticamente com LIBERDADE. São manhãs que ouço canções com versos complexos que aludem ao "ser mulher". Sou multicor como os tecidos metalizados e sintéticos das roupas-bandeiras que sinto cobrir minha pele - que pode ter os poros fechados, introspectivos; ou abertos, receptivos ao toque, ao meu bel-prazer.
Não mais um universo de chitas e sim de livros, cds, filmes, sites, blogs, emails...fazem parte de minha vida. Nesses momentos, sou adulta, independente e sórdida. Sou a mulher-fera que pode escolher onde usar suas garras.
E o espelho d'água se balança...não sei mais se sou uma ou outra. As imagens, músicas e vestimentas se misturam e sou antagonicamente as duas: menina de trança, mulher de olhos maquiados; e me visto entre o algodão e o bordado metalizado, preparo um prato ao mesmo tempo que leio teorias para teses infindas...
Eu sou....um dado que sempre ao mostrar um lado ofusca outras tantas faces.