sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Não: Devagar

imagem: http://www.ociodooficio.com.br/

Fim de ano...
Cada um já preparando sua retrospectiva. Tenho a tendência de achar que o saldo é sempre positivo. Os obstáculos, mais do que meros sofrimentos, também são utilizados pela vida para nos ensinar algo e trazem experiência.
Ultimamente, ando reclamando muito do tempo, ou melhor, da falta dele e ao receber de presente da minha amiga/irmã/mãe "Fia", uma linda agenda para 2012 recheada de muitos poemas, trechos de músicas e imagens de obras de tarde, me deparei com um poema de Fernando Pessoa, sob um de seus heterônimos, com o qual me identifiquei de cara! Ando mesmo pedindo a vida para ir mais devagar, ao mesmo tempo que saboreio as pressas diárias. Eu? Contraditária ? Não... apenas polissemicamente humana demais. Enquanto corro entre socorrer os dramas familiares, terminar um mestrado, organizar um casamento, vou cantarolando o samba de um minuto: "Devagar, esquece o tempo lá de fora, devagar, esquece a rima que for cara".

Não: devagar.

Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.

Devagar...                                                                    
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima...

Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar...
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo...
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?

Álvaro de Campos, in "Poemas"

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Para ver, sentir e pensar


A revista Piauí de maio de 2010 veio com essa imagem na capa. Na época, fiquei com a revista na mão meio que abobalhada. A ilustração é de James Jean e, na minha humilde opinião, traduz com maestria as divergência entre o universo feminino e o masculino. Se bem que a roda que a menina traz consigo (ou esconde?) remonta muito mais indagações labirínticas do que uma simples diferenciação hierárquica entre os sexos...

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Detalhes

Na rua em que moro, há alguns moradores (inclusive minhas avós) que vivem aqui há décadas. É bom sair de casa e receber o bom dia e o sorriso de pessoas que me viram crescer, além da bênção e o "vai com Deus". Aqui, há uma vendedora de beijú. Isso mesmo, aquela iguaria derivada da mandioca. Mesmo quando não saboreio o tal quitude que é um tanto quanto pesado, é bom ver essa minha tia-avô preparar morosamente, em uma pedra aquecida, um sabor tão arcaico e, talvez por isso mesmo, bem procurado pelas pessoas no início da noite. 
De uns dias pra cá, essas mulheres da "melhor idade" de minha rua descobriram o hobby dos caça palavras. Passam horas com as revistinhas na mão, óculos na ponta do nariz, perdidas em meio ao emaranhado de letras.
Uma dessas vizinhas queridas já está com a audição limitada. Então, agora preciso aumentar a voz no "bom dia" porque, com olhos e pensamentos procurando palavras, ela já não percebe quem passa na rua.  
Trocamos um sorriso cúmplice e sigo minha rota.
Não peço a Deus para ter sempre essa mesma cena, a mesma rua. Apenas rogo para que em qualquer lugar que eu viva, por onde eu passar, eu consiga notar essas frestas da beleza da vida, sempre tão rica nesses detalhes corriqueiros... 

terça-feira, 19 de abril de 2011

Cordel Encantado


Música boa de ouvir é a composição de Gilberto Gil que abre a novela "Cordel Encantado". Não sei falar sobre o enredo em si, mas a música é linda!!! A voz de Gilberto Gil, que dispensa comentários, com a sonoridade deliciosa de Roberta Sá, cantora que amo... ficou show!!!

Lá vai a letra...atenção total na última estrofe...

Minha Princesa Cordel (Gilberto Gil)


Minha princesa,
quanta beleza coube a ti
Minha princesa,
quanta tristeza coube a mim

Na profundeza
O amor cavou
O amor furou tudo no chão
No coração do meu sertão
No meu torrão natal
Meu berço natural
Meu ponto cardeal

Meu açúcar, meu sal
Nossos destinos
Desde meninos dão-se as mãos
Nossos destinos
De pequeninos eram irmãos

E os desatinos
também tivemos que vivê-los bem juntinhos
E os caminhos nos trouxeram
pra esse lugar
A que vamos ficar
Amar viver lutar
Até tudo acabar

domingo, 20 de março de 2011

Nascimento

Visitei três bebês na semana passada: Iasmim: doce como o nome; Gabriel: sentidos apurados para descobrir o mundo e Lunna: toda a luz divina numa frágil criaturinha que pesa menos de dois quilos. Ao observar a ternura desses novos habitantes do nosso mundo também (re)nasço, acredito no futuro e teimo na "mania de ter fé na vida". Eles trazem mais força do que imaginam: a pureza que pensamos ter perdido, a dedicação que achamos que nunca seríamos capazes de doar e, principalmente, o desmedido amor mais desejado do que imaginávamos.
É a vida! 

segunda-feira, 14 de março de 2011

A receita da vida

Quanta coisa a dizer, a pensar, a fazer...
A vida sempre vestindo traje muito formal e eu querendo vê-la em veste leve e translúcida, sem o tecido de tantos anseios.
Nas tentativas sempre frustadas de saber e dizer quem sou , para que vim e outras tantas perguntas sempre tão existencialistas, queria mesmo apenas SER! Sem tantas indagações e justificativas.
Qual a receita? Só me forneçam se o prato for simples e divinamente delicioso...
Acho que no fundo, no fundo a gente é que complica colocando ingredientes sofisticados, inventando um modo de preparo mirabolante, lendo a receita num livro de culinária russa. Penso que vida tem uma receita simples que por parecer destinada à iniciação culinária de crianças, acaba por passar despercebida nessa nossa busca pelo "sabor ideal".
Confesso que ainda não encontrei minha receita derradeira. Viver é um processo contínuo de experimentação. Sempre tento colocar amor como ingrediente básico para toda receita (como vó Terezinha bem ensinou) e também os temperos da terra e outros de lugares que nem mesmo conheço (ainda)...
No preparo, sempre escolho o método mais complicado para descobrir, no final, que havia uma forma bem mais simples... 
O resultado? Ainda estou me deliciando com o prato, mas sempre faço a medida dobrada para dividir com quem aceita averiguar meus dotes culinários. No mais, tudo é uma eterna busca...ou alguém terá a verdadeira  receita da vida para me dar?

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Entre o silêncio e a palavra quase sempre opto pela segunda alternativa. Vivo em busca da palavra que designa meu ser, da melhor palavra para se levar a vida e do nome certo para tudo que vou sentindo e vendo por aí. Ainda assim, às vezes sinto-me "bicho do mato" acuado diante do novo. Bairrismo a parte, atribuo essa tendência introspectiva a Minas que mora em mim, a Minas na qual vivo, ao sertão nortemineiro com o qual convivo desde a mais tenra idade e me ensinou a engolir a dor da seca ao mesmo tempo que vislumbro a beleza sinestésica do cerrado. Sem tentar ententer o motivo exato da presença em mim de uma parcela que prefere a omissão de palavras, compartilho com vocês uma letra de música com a qual sempre me identifiquei. Gosto de ouví-la na voz de Saulo Laranjeira.


Lamento Sertanejo
(Gilberto Gil)

Por ser de lá
Do sertão, lá do cerrado
Lá do interior do mato
Da caatinga do roçado.
Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigos
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado.

Por ser de lá
Na certa por isso mesmo
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo.
Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão boiada caminhando a esmo.